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"Não basta fazer coisas boas. É preciso fazê-las bem.!"

23/10/2009

Reclamatória trabalhista: o que é devido e o que não é


Por várias vezes tenho sido questionado quanto a direitos trabalhistas de pastores, obreiros e outros prestadores de serviços nas igrejas. Pior ainda, em algumas vezes o questionamento veio acompanhado de uma ação trabalhista onde o antigo pastor ou colaborador pleiteava os direitos típicos de empregados. Bem, para que este risco seja reduzido, é necessário sabermos o seguinte.
Primeiramente, segundo art. 3º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Pela análise deste dispositivo, a relação de emprego exige do trabalhador o cumprimento das seguintes condições, simultaneamente: a) pessoalidade na execução do serviço; b) não eventualidade do serviço executado; c) subordinação ao empregador; e d) recebimento de salário.
Especificamente em relação a pastores e obreiros, sabemos que o pastoreio não é emprego, mas vocação divina, onde o ganho é espiritual e não material. Embora exercido com habitualidade e pessoalidade, em função de qualidades pessoais, o sacerdócio não se amolda ao conceito de empregado, uma vez que a submissão do pastor à doutrina da igreja decorre da fé que professa e não se confunde com a subordinação jurídica do empregado. O pastor escolheu tal função não como profissão pura e simples, mas sim como uma doação de si próprio com um sentido de desinteresse, uma verdadeira profissão de fé, fé esta que se integra à sua personalidade.
Já o sustento dos obreiros, além de ser bíblico, não se confunde com salário ainda que em valores fixos, pois tem finalidade e natureza jurídica diversa, no sentido de que tal valor visa a manutenção do obreiro, ante seu envolvimento e dedicação, enquanto que o salário trata de uma remuneração contraprestacional. Tal valor não tem o poder de caracterizar a onerosidade e a comutatividade necessárias ao reconhecimento do vínculo empregatício, sendo insofismável que a relação que vincula o pastor com a igreja não está circunscrita ao âmbito contratual, pois motivada por convicções íntimas, crença em recompensas imateriais, desejo de salvar almas e tudo o mais que caracteriza o insondável universo da fé.
A remuneração dos pastores e obreiros devem ser retiradas dos dízimos e das ofertas do povo fiel, até porque trocar-se a pregação do Evangelho por qualquer bem material constituiria o pecado de simonia1, condenado desde os primórdios do Cristianismo2.
O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, ao relatar a decisão prolatada no Agravo de Instrumento em, Recurso de revista nº 3652-2002-900-05-00, com muita propriedade lecionou que:
“Todas as atividades de natureza espiritual desenvolvidas pelos religiosos , tais como administração dos sacramentos (batismo, crisma, celebração da Missa, atendimento de confissão, extrema unção, ordenação sacerdotal ou celebração do matrimônio) ou pregação da Palavra Divina e divulgação da fé (sermões, retiros, palestras, visitas pastorais, etc.), não podem ser consideradas serviços a serem retribuídos mediante uma contraprestação econômica, pois não há relação entre bens espirituais e materiais, e os que se dedicam às atividades de natureza espiritual o fazem com sentido de missão, atendendo a um chamado divino e nunca por uma remuneração terrena. Admitir o contrário seria negar a própria natureza da atividade realizada.”
Também a subordinação jurídica, requisito essencial do art. 3º da CLT, não se afigura, eis que não se reverencia a Igreja como empregadora, mas como congregação religiosa. Em outras palavras, o trabalho voluntário afasta a subordinação jurídica sobreposta pela de ordem moral, ou, noutros termos, consagrado à autoridade espiritual. Diante dessas características, nem a apostasia é capaz de transfigurar o vínculo em trabalhista.
Segundo Délio Maranhão, o sacerdote é membro da associação Igreja, realizando trabalho como sócio dessa instituição. É, na verdade, mais do que membro, órgão da própria igreja. Não havendo como existir composição de interesses distintos entre a Igreja e o sacerdote, já que este, no exercício de suas funções sacerdotais, somente por si pode realizar os trabalhos que lhe são confiados, não havendo contrato de troca com a sociedade, sendo um “intermediário entre o sagrado e o profano”3.
Os problemas começam quando o próprio conceito de Igreja é desvirtuado, usando-se pessoas sem qualquer preparo como pastores e obreiros, debaixo de firme e abrangente subordinação, onde o “religioso” não passa de mero captador de ofertas e dízimos (em algumas situações têm metas a serem cumpridas), visando o lucro da instituição, que é estruturada como verdadeira empresa, e ou de seus dirigentes, mesmo que de forma indireta. Aí sim, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, têm admitido o reconhecimento do vínculo empregatício do pseudo religioso (que perdeu o sentido de sua vocação) com a instituição (que perdeu o seu sentido de difusão da fé, se é que a teve um dia), transformando-se em “mercadores” de Deus.
Segundo, dentro das igrejas, muitas vezes, existem pessoas que, também decorrente do amor à obra de Deus, prestam serviços laicos, sem qualquer vinculação direta com a fé, tais como diretores ou professores em Seminários, secretários, zeladores, vigias etc. Tais pessoas, desde que preenchidos os requisitos constantes do art. 3º da CLT, são considerados empregados, fazendo jus a todos os direitos celetistas, inclusive o registro em Carteira de Trabalho.
Lembro, aqui, que o trabalho exercido por voluntário foi caracterizado pela Lei 9.608/1998 como a atividade não remunerada prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza, ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade, sendo que para ser enquadrado no conceito desta lei, o serviço deve, além de ser prestado para entidade não lucrativa, voltada para objetivos públicos e sociais, ser: a) gratuito; b) voluntário4; e c) prestado pelo indivíduo, isoladamente, e não como “subcontratado” de uma organização da qual o indivíduo faça parte e, portanto, seja pela mesma compelido a prestá-lo.
Ressalto, ainda, que não importa o que o individuo assine perante a Igreja ou instituição, pois a Justiça do Trabalho, que é a competente para julgar as causas decorrentes de qualquer relação de trabalho (Emenda Constitucional nº 45/2004), irá desconsiderar qualquer escrito caso restem configurados os requisitos do art. 3º da CLT.
Concluindo, se a Igreja quer minimizar os riscos de uma condenação trabalhista, deve aplicar na prática o ensinamento de Jesus constante do versículo 21, do capítulo 22 do Evangelho segundo Mateus.

Marco Antonio Gonçalves Valle
Publicado em 09.06.2009

[1] venda ou promessa de bens espirituais em troca de vantagens materiais.
[2] Atos dos Apóstolos, capítulo 8, versículos 18 a 24.
[3] Instituições de Direito do Trabalho. Süssekind et alli. 17ª ed., vol. I. São Paulo: LTr, 1997, p. 325.
[4] não pode ser imposto ou exigido como contrapartida de algum benefício concedido pela entidade ao indivíduo ou à sua família

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